sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

Do blogue de Henrique Fialho

22.2.08

UMA ALDEIA QUE NÃO EXISTE #1



O que vejo quando olho para esta fotografia? Vejo, em primeiro plano, um homem aparentemente feliz. O homem encontra-se descontraído, numa pose quase infantil. Não fosse a calvície e o traje, diria mesmo tratar-se de uma criança. Ao fundo, há o que parece ser um morro pedregoso e muitas ervas. É-me impossível decifrar o lugar, mas facilmente apostaria tratar-se de um lugar de província. Apenas na província as ervas crescem àquela altura. Aproximo o olhar da legenda e verifico não ser aquele um lugar qualquer, aquele lugar tem um nome: São João da Ribeira. Trata-se de uma freguesia do concelho de Rio Maior, precisamente a aldeia onde nasceu aquele homem. Subitamente aquele homem deixa de ser um homem qualquer, é um homem na terra onde nasceu, é um homem descontraído, aparentemente feliz, regressado à origem, ao lugar primordial, à terra onde deu os primeiros passos no mundo, é um homem regressado. O homem da fotografia chama-se Ruy Belo, é poeta, nasceu naquela aldeia a 27 de Fevereiro de 1933. Dali partiu para Coimbra, onde cursou Direito, transferindo-se para Lisboa, seguidamente para Roma, de novo para Lisboa. Aquele homem que um dia partiu da sua aldeia, foi jovem, foi criança. É precisamente com esse ar jovial, quase infantil, que regressa agora à terra de onde partiu. Não sabemos em que data terá sido tirada aquela fotografia. É provável que, à época, Ruy Belo já tivesse publicado alguns dos seus livros. O primeiro, Aquele Grande Rio Eufrates, foi publicado em 1961. Já lá iremos. Por ora, é impossível olhar aquela fotografia sem pensar em algumas palavras proferidas pelo poeta numa das três entrevistas reunidas no terceiro volume da sua Obra Poética. Dizia então o poeta: «Ao chegar a Lisboa, em Outubro de 1954, a primeira coisa que eu fiz foi ir ao Largo se S. Carlos, a aldeia onde nasceu Fernando Pessoa. Eu também nasci na aldeia, uma aldeia que não existe, como a dele. (…) A última vez que lá fui, depois de uma longa ausência, verifiquei que as próprias distâncias não correspondiam ao que eu pensava. Ficava tudo muito perto. A distância de «aquilo do Miguel», a taberna, até á escola, a distância da escola à Igreja, a distância entre os plátanos. Nunca mais lá volto. Deve ter morrido muita gente. Não calcula como admiro a gente do campo» (Obra Poética, vol. 3, org. Joaquim Manuel Magalhães e Maria Jorge Vilar de Figueiredo, Lisboa, Presença, 1984). Como disse, não sabemos quando terá sido tirada a fotografia. Antes ou depois de terem sido proferidas estas palavras? Que queria dizer Ruy Belo ao afirmar que nunca mais voltaria à sua aldeia, à aldeia onde nasceu? Concentremo-nos no problema das distâncias, é aí que reside a chave que talvez nos permita responder a estas dúvidas. Todos nós experimentamos esse problema das distâncias, não é preciso ser-se poeta para crescer. Basta ser-se homem e viver. À medida que crescemos, sentimos que o espaço encolhe à nossa volta. Ele é o mesmo, embora a percepção que temos desse espaço se altere. Regressamos aos lugares da infância como quem regressa a um espaço que já não existe, pois agora a percepção que temos desse espaço torna-o completamente diferente daquilo que foi. A aldeia de Ruy Belo ainda existe. Quem por lá passe, pode inclusivamente verificar que as paredes da casa onde nasceu este Homem de Palavra[s] mantêm-se erguidas. Não obstante, avançar na vida, seguir o curso do tempo, implica, sem dúvida, um distanciamento, um redimensionamento dos espaços que transportamos na memória, a ponto de, por vezes, esses espaços encolherem tanto que desaparecem. A aldeia onde Ruy Belo nasceu desapareceu por uma única razão, essa razão tem um nome: tempo. O tempo devorou a aldeia da infância. Ainda que a memória a conserve, conserva-a apenas nesse lugar remoto e inabitável das recordações. Fisicamente, a experiência da aldeia terá agora de ser outra. A aldeia já não existe porque a infância passou, perdeu-se, não se reconquista, o tempo devorou-a, a criança fez-se homem, o espaço encolheu de tal modo que é já outro espaço, um espaço novo, diferente, dissemelhante do espaço primitivo. Que Ruy Belo ali tenha regressado, com aquele ar jovial e quase infantil que observamos na fotografia, apenas consubstancia um paradoxo, talvez o paradoxo mais marcante de toda a sua obra: a poesia como busca do irrecuperável, uma outra forma de suicídio, a antecipação de «um regresso definitivo à terra», uma espécie de recuperação, pela memória, do que está definitivamente perdido. E isto fica muito claro no seu Breve Programa Para Uma Iniciação Ao Canto: «Escrevo como vivo, como amo, destruindo-me. Suicido-me nas palavras. Violento-me. (…) Ao escrever, mato-me e mato» (Obra Poética, vol. 2, org. Joaquim Manuel Magalhães, 2.ª edição, Lisboa, Presença, 1990).
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Rio Maior: Autarquia assinala 75 anos do nascimento do poeta Ruy Belo instituindo prémio nacional de poesia

Ana Cristina Silva, vereadora com o pelouro da Cultura, disse à agência Lusa que o prémio, de âmbito nacional, visa distinguir obras poéticas em língua portuguesa e, simultaneamente, homenagear Ruy Belo.
O prémio, que deverá ter periodicidade anual, não tem ainda regulamento aprovado, dando a autarquia início ao processo na quarta-feira com uma primeira deliberação camarária, esperando Ana Silva que seja aberto concurso em meados do ano.
Quarta-feira, além de uma romagem ao cemitério de S. João da Ribeira, com deposição de uma coroa de flores na campa do poeta, a autarquia inaugura, à tarde, uma exposição bibliográfica, ao som de um CD com poemas de Ruy Belo lidos por Luís Miguel Cintra, seguindo-se uma palestra por Henrique Fialho sobre a vida e a obra do poeta.
Ruy Belo, filho de professores, nasceu e viveu a infância em S. João da Ribeira, terra que guarda uma imagem "querida" do poeta, mas também uma mágoa, a de não ter nada que assinale a sua pertença à terra, disse à Lusa o presidente da Junta de Freguesia.
José Luís Cruz, presidente da Junta de Freguesia de S. João da Ribeira, afirmou que gostaria de ter na aldeia uma estátua ou um busto de Ruy Belo e concretizar uma ideia antiga, a de dar uso à casa onde o poeta nasceu e viveu e que é propriedade da autarquia.
No seu entender, no edifício poderia ser instalada uma biblioteca/centro de leitura ou, de preferência, «mobilar a casa e torná-la residência de escritores que quisessem vir para aqui um período escrever, como já se faz em toda a Europa».
Ana Silva disse à Lusa que estão em curso conversações com a família no sentido de ser dado um destino à casa, como museu e «casa onde possam ficar escritores», além de estar em análise a colocação de uma estátua de Ruy Belo numa das rotundas da cidade.
Segundo disse, o poeta não tem sido esquecido, existindo uma sala com o seu nome e o seu busto na Biblioteca Municipal Laureano Santos, além de, há uns anos, ter sido atribuído o seu nome à casa onde nasceu em S. João da Ribeira.
Para José Cruz, a prova de que Ruy Belo nunca perdeu a ligação à sua terra natal está não só nos seus escritos - «a referência à infância feliz, ao quintal da casa, ao mundo rural» -, mas também no facto de ter escolhido a aldeia para ser sepultado.Ruy Belo morreu aos 45 anos em Queluz, depois de ter estudado Direito em Coimbra e em Lisboa, doutorando-se em Direito Canónico em Roma. Pertenceu à Opus Dei, que abandonou mais tarde, e tirou Filologia Românica, indo para Madrid, em 1971, como leitor de Português.
Regressou a Portugal em 1977, para dar aulas no ensino secundário no ano que antecedeu a sua morte. Foi chefe de redacção da revista Rumo e colaborou com publicações periódicas, como O Tempo e o Modo e Ocidente.
Lusa/SOL
26 de Fevereiro

Rio Maior: Ruy Belo homenageado em aldeia onde nasceu

Uma foto de Ruy Belo na aldeia onde nasceu, S. João da Ribeira (Rio Maior), deu o mote para uma viagem pela sua vida e obra, numa sessão de homenagem ao poeta no dia em que faria 75 anos.
Henrique Fialho, jovem rio-maiorense licenciado em Filosofia e estudioso da obra de Ruy Belo, conduziu hoje a meia centena de pessoas que participaram na homenagem ao poeta, na biblioteca municipal de Rio Maior, numa comunicação intitulada «A aldeia que não existe», que deixou a viúva, Teresa Belo, «muito, muito surpreendida».
«Foi uma enorme surpresa», disse Teresa Belo no final de um dia de homenagem ao poeta que foi «de muita alegria e vai ser memorável».
Teresa Belo disse esperar que o Prémio Nacional Poeta Ruy Belo, lançado formalmente no final do dia pela vereadora da cultura da câmara de Rio Maior, Ana Cristina Figueiredo, sirva para dar a conhecer o trabalho do poeta «a partir daqui para o Mundo».
«Foi uma homenagem muito bonita, com muita alegria. Talvez seja esta a terra da alegria», disse, numa alusão ao título do último livro de Ruy Belo, «Despeço-me da terra da alegria» (1977).
Henrique Fialho partiu do primeiro livro de Ruy Belo, «Aquele grande rio Eufrates», escrito em 1961, ano em que o poeta deixou a Opus Dei, por esta o impedir de escrever poesia.
Percorrendo os oito volumes de originais de Ruy Belo, Henrique Fialho sublinhou as palavras sempre presentes, como «palavra, tempo, infância, rio, morte, minha aldeia», a qual o poeta disse um dia, numa entrevista, não existir, porque as distâncias já não eram as da sua infância.
A evocação «explícita» da sua aldeia natal, dos seus pais, das pessoas que conheceu, das idas à feira de Rio Maior, surge em «Toda a Terra» (1976), disse.
«Como é possível que um autor desta dimensão não tenha ainda hoje o reconhecimento da gente da sua própria terra», disse Henrique Fialho, pedindo que «se faça mais», pois «a poesia não dá lucro, mas humaniza o Mundo».
O presidente da câmara municipal de Rio Maior, Carlos Nazaré, afirmou que, além da deliberação tomada hoje em reunião de câmara para a criação do Prémio Nacional Poeta Ruy Belo, a autarquia deu o seu nome à casa onde o poeta nasceu, a uma rua da cidade e a uma das salas da biblioteca municipal, onde está uma escultura sua.
Em estudo está o destino a dar à casa onde nasceu o poeta, em S. João da Ribeira, e a colocação, em breve, de uma estátua de Ruy Belo numa rotunda da cidade.
«Estamos empenhados na projecção do nome do poeta e em contribuir para levar a sua poesia aos rio-maiorenses, ao país e ao Mundo», disse Carlos Nazaré, lamentando que nem todos os habitantes do concelho conheçam a obra de Ruy Belo.
«Os poetas interrogam a vida, dão sentido ao caminho. Que seria da vida sem poetas?», disse o autarca na cerimónia, que terminou com um pequeno concerto de violino com Igor Domingos, do Conservatório de Música de Santarém.
Diário Digital / Lusa
28-02-2008 8:04:00

Ruy Belo em 2008

Neste ano de 2008 comemoram-se dois aniversários de Ruy Belo: os 75 anos do seu nascimento a 27 de Fevereiro e os 30 anos da sua morte a 8 de Agosto.
Tentarei compilar e publicar o que de relevante for dito e escrito sobre estas efemérides.
Será uma forma de homenagear o poeta na ausência de um serviço informativo semelhante da Biblioteca que tem o seu nome em Queluz.
Será a minha homenagem a um imenso poeta. Será apenas mais um contributo para a divulgação da sua obra.
Aqueles que me quiserem ajudar basta que escrevam para ruybelo2008@gmail.com.
Fico à espera. Boas leituras!