terça-feira, 19 de agosto de 2008

08.08.08 - 30 anos passados desde a morte de Ruy Belo - Lusa

Literatura: Poeta Ruy Belo morreu há 30 anos

Lisboa, 07 Ago (Lusa) - Ruy Belo, um dos nomes maiores da poesia portuguesa do século XX, morreu faz dia 08 de Agosto 30 anos. Tinha 45 anos e, no seu último livro, "Despeço-me da terra da alegria", deixara escrito este verso emblemático: "O receio da morte é a fonte da arte".

O poema a que o verso pertence tem por título "A fonte da arte" e Ruy Belo refere no livro o local e o dia em que o escreveu: Madrid, 24/IV/1977.

Na capital espanhola, na sua universidade, tinha sido até então, e desde 1971, Leitor de Português. Precisamente no ano da redacção daquele poema, 1977, deixaria o cargo para regressar a Portugal.

Poeta, e um dos maiores «inter pares» no século em que viveu, no currículo duas licenciaturas - em Direito e em Filologia Românica - e um doutoramento em Direito Canónico, chegou a Portugal e procurou emprego. Não lho deram na Faculdade de Letras de Lisboa. Não conseguiu mais do que um lugar de professor, no ensino nocturno, na Escola Técnica do Cacém.

Morreu, de um edema pulmonar, na sua casa em Queluz, a 8 de Agosto de 1978. A sua obra é hoje objecto de estudo e admiração. De imitação, também. A melhor homenagem será lê-la, mesmo se, como o próprio dizia - e o poeta José Tolentino Mendonça (JTM) recordou em declarações à Lusa - "a melhor homenagem que podemos fazer a um poeta anterior que admiramos é levantarmo-nos contra ele".

"Para todo o leitor de poesia - disse JTM - há um encontro marcado com a poética de Ruy Belo, que marca assombrosamente a segunda metade do nosso século XX. A sua obra tem uma originalidade e um fulgor incontornáveis. É um ponto de luz, um grande momento de transfiguração da língua".

Ruy Belo, esclarece, "cria uma língua do quotidiano, uma língua para dizer a casa, a infância, o verão ou a morte, que volta a ter a intensidade das antigas cosmogonias, a energia quase sagradas das falas ininterruptas. Ruy Belo dá ao civil direito à liberdade de expressão uma dimensão ontológica".

Terá sido esta para o poeta de "Baldios", autor de uma dissertação sobre a poesia de Ruy Belo para a sua licenciatura em Teologia na Universidade Católica, a sua "primeira impressão de leitura".

"Claro que a circularidade dramática entre presença e silêncio, dúvida e crença no que toca à busca de sentido e à questão de Deus, me interessou também profundamente", reconhece.

JTM considera haver "três grandes eixos reconhecíveis na arquitectura" da obra de Belo: "tempo, espaço e palavra. A consciência do tempo como experiência de passagem, turbulenta, irrepetível, impossível de reter, marca a fogo, poema a poema, a obra de Ruy Belo. Mas não só. Esta poesia denuncia os usos sociais que banalizam o tempo, reduzindo-o ao estatuto de produto, deglutido num consumo rápido e publicitário. O espaço tem a ver com o corpo, a casa, o país, o mundo. O fechado e o aberto. O interior e o exterior. As moradas provisórias e a definitiva morada".

"De resto - realça ainda - a poesia de Ruy Belo constrói-se numa indagação permanente em torno à palavra. Poucos poetas reflectiram tão intensamente o próprio processo poético (descrito como transporte, transposição, transplante...). Além de que trouxe para a poesia portuguesa uma sonoridade inesquecível".

Nascido em São João da Ribeira, Rio Maior, em 1933, Ruy Belo licenciou-se em Direito e em Filologia Românica pela Universidade de Lisboa e doutorou-se em Direito Canónico em Roma com uma tese «Ficção Literária e Censura Eclesiástica».

O seu primeiro livro de poemas, "Aquele grande rio Eufrates", data de 1961, o mesmo ano em que dá à estampa a colectânea de ensaios "Poesia Nova".

Seguem-se "O Problema da Habitação - alguns aspectos"(1962), "Boca Bilingue" (1966), "Homem de Palavras[s]" (1969), "Na Senda da Poesia" (entrevistas, textos ensaísticos, 1969), "País Possível"(1973, antologia), "Transporte no Tempo" (1973), "A Margem da Alegria" (1974), "Toda a Terra" (1976) e "Despeço-me da Terra da Alegria" (1977).

No posfácio ao primeiro volume da Obra poética de Ruy Belo (Editorial Presença), o poeta e ensaísta Joaquim Manuel Magalhães (JMM) assinala na sua obra duas vertentes: de um lado, "a omnipresente consciência da morte, da solidão", do outro "a minuciosa exaltação das coisas, a persistente nomeação dos objectos e dos actos quotidianos, as recordações do tempo infantil gostosamente enumeradas, a fruição do tempo, dos nevoeiros, do mar, do sol, a rede de alegrias do tecido social comunitário, o desejo de transformação dos erros humanos".

Para JMM, este "conflito é central para o entendimento da sua poesia".

Um outro poeta, Gastão Cruz, escreve em "A Poesia portuguesa hoje" (Relógio d'água) que a obra de Ruy Belo "um dos mais grandiosos e complexos monumentos da poesia portuguesa".

É - define - "um monumento barroco, em que alguns dos mais relevantes caminhos e experiências da poesia portuguesa moderna confluem numa síntese poderosa, que congrega características aparentemente tão demarcadas e raramente conciliadas, como um discurso torrencial, por vezes próximo da prosa, e uma imaginação verbal inesgotável, por um lado, e uma extrema atenção ao pormenor do verso, nomeadamente no nível fónico, por outro, como uma permanente dissecação da vida e da realidade quotidianas, em contraponto com uma antevisão, ora angustiada, ora irónica, da morte própria e uma inquietação perante a morte alheia não menos constantes".

RMM.

Lusa/fim

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