quinta-feira, 6 de março de 2008

Um poeta perigosamente aventureiro


O dia 27 de Fevereiro é um dia especial para a aldeia de São João da Ribeira. Se fosse vivo Ruy Belo faria 75 anos. Como forma de homenagear o poeta falecido há três décadas, família, alguns amigos e admiradores e autarquia organizaram várias iniciativas de celebração que decorreram ao longo do dia.

As cerimónias de homenagem a Ruy Belo começaram com uma romagem à campa do poeta, que está sepultado em campa rasa no cemitério de São João da Ribeira. Teresa Belo, viúva do poeta, fez questão de estar presente e mostrou-se muito sensibilizada com o carinho dos habitantes. Durante os minutos em que decorreu a cerimónia da deposição de uma coroa de flores na campa , foi evocada a sua memória. Teresa Belo declamou dois poemas de autoria do marido. Os alunos do jardim-de-infância e da escola primária de São João da Ribeira, representados pelas professoras, ofereceram a Teresa Belo lembranças feitas pelos próprios dedicados à obra.

A homenagem prosseguiu da parte da tarde na biblioteca municipal Laureano Santos, em Rio Maior, com a inauguração de uma exposição bibliográfica e uma palestra sobre a vida e obra do autor ribatejano. Henrique Fialho, natural de Rio Maior, é um estudioso da obra de Ruy Belo e falou perante uma plateia de cerca de sete dezenas de pessoas que encheram o auditório da Biblioteca da cidade sobre a forma como a vida do poeta marcou a sua escrita.

“Ruy Belo era um homem que tomava posições sobretudo a favor da sua liberdade e da sua independência e isso tinha um custo naquela época. Vivíamos num país onde imperavam os grupos, as amizades de cartilhas, num país fechado sobre si próprio”, explica, adiantando ainda que o poeta decidiu abandonar a Opus Dei, organização à qual pertencia, porque os seus membros não lhe permitiam escrever poesia.

Henrique Fialho relatou um excerto de uma entrevista em que Ruy Belo explica que a sua terra já não existe uma vez que, a última vez que lá tinha ido, após uma longa ausência, as próprias distâncias não correspondiam ao que imaginava. Ficava tudo muito mais perto do que ele recordava.

“Ruy Belo dizia que a sua aldeia já não existia porque sempre que regressamos aos locais da nossa infância parece que tudo se altera. Aquilo que era muito grande, o que tinha uma dimensão enorme na infância encolhe, torna-se pequeno. Às vezes, sufocante”.


RELATOS DA INFÂNCIA

Maria Silvina Carvalho é uma das várias habitantes da aldeia que fez questão de estar presente num dia tão importante para a sua terra. Com uma antologia da poesia de Ruy Belo na mão, edição de 1976 da editora Moraes (já extinta), Maria Silvina vai lendo alguns versos da poesia escrita pelo amigo e antigo companheiro de escola, enquanto todos esperam no largo da Igreja pelos autarcas de Rio Maior que se atrasaram mais de uma hora.

“Fizemos a escola primária juntos. Só não éramos da mesma sala porque naquele tempo rapazes e raparigas tinham aulas separadamente”, conta, explicando ainda que ela e Ruy Belo tinham apenas um mês de diferença de idade.

A amiga de escola, Maria Silvina Carvalho conta ainda a O MIRANTE que, em pequeno, Ruy Belo, era uma criança muito irrequieta e divertida sempre que se juntava com os amigos. A antiga companheira de infância recorda a noite de Carnaval - o poeta não teria mais do que dez anos - em que Ruy Belo e alguns amigos da mesma idade decidiram roubar melões. Aproveitaram o facto de haver baile na sociedade recreativa da aldeia e foram para a aventura. Trouxeram os melões debaixo do braço e foram comê-los para o largo da igreja, às escuras, uma vez que naquele tempo ainda não havia luz eléctrica. Os jovens só não sabiam que estavam a ser vigiados por um vizinho que os apanhou em flagrante. No final não se safaram de levar umas boas palmadas dos pais.

Segundo Maria Silvina, o poeta de São João da Ribeira, também tinha o hábito de ir com um amigo para junto da linha de comboio em Rio Maior onde circulavam apenas carruagens de transporte de carga. “Punham-se a tentar acertar, e partir, as luzes de iluminação das linhas ferroviárias. Era um jovem que gostava de se sentir livre”, explica.


O Mirante online, Santarém, 6 de Março de 2008

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